Leia essa matéria do portal Uol com o tenente-coronel Adilson Paes de Souza, da Polícia Militar de São
Paulo e dê sua opinião: "Bandido bom é bandido morto"?
O tenente-coronel Adilson Paes de Souza, da Polícia Militar de São
Paulo, estava prestes a ir para a reserva (aposentar-se) quando decidiu
mergulhar em um tema que o incomodou durante os 30 anos em que esteve na
corporação: a violência policial. "Eu queria saber por que a PM
apresentava índices altos de violência em comparação com todas as
polícias do mundo. Por que números elevados?", se questionava.
Mestre
pela USP (Universidade de São Paulo), Paes de Souza concluiu, entre
pesquisas e entrevistas, que a violência praticada pela polícia
atualmente tem sua origem na ditadura militar (1964-1985). A dissertação
do mestrado deu origem ao livro "O Guardião da Cidade".
Em uma entrevista ao UOL
em sua casa, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o tenente-coronel
fala sobre resquícios do regime autoritário nos dias de hoje, como a
doutrina da Segurança Nacional, o AI-5 (Ato Institucional nº 5) e os 'autos de resistência' e propôe soluções como o controle externo e a polêmica questão da desmilitarização.
Cidadão como potencial inimigo
No
livro, constam quatro entrevistas, duas eu fiz pessoalmente e duas eu
coletei de um outro livro. Todos eles são ex-policiais militares, foram
presos pela prática de homicídio caracterizado como execuções sumárias,
cumpriram pena e foram expulsos da corporação. Um deles falou: trabalhar
na rua é estar num campo de batalha e num campo de batalha você
trabalha com a questão do inimigo e não peça para eu interceder pela
vida do inimigo. Ou eu elimino ele ou ele me elimina.
"Trabalhar na rua é estar num campo de batalha...[...] É a fala dos policiais militares"
Adilson Paes de Souza, tenente-coronel reformado da PM-SP
Quando
eles eram presos eles não entendiam porque pensavam que estavam fazendo
o bem para a sociedade. 'Por que a sociedade agora quer me ver preso?
Me taxa de uma mau policial militar ou um monstro? Eu estava protegendo a
sociedade, limpando a sociedade dos maus elementos. Por isso que eu
estava eliminando sumariamente.' É a fala dos policiais militares.
Eu
não sei dizer se a polícia encara toda a população como inimiga. Mas eu
creio que determinadas pessoas, com determinado histórico de vida, que
vivem em determinadas regiões, onde o índice de criminalidade é alto,
são tidas como potenciais inimigos da sociedade. Existe a lógica do
conflito, do confronto.
Doutrina da Segurança Nacional
Adolfo
Pérez Esquivel, que foi prêmio Nobel da Paz, começou a falar, na década
de 80, que em dado momento na América Latina, aportou uma doutrina que,
entre aspas, palavras dele, 'aviltou corações e mentes', e determinados
segmentos da população começaram a ser encarados como inimigos do
Estado. Nós demos o nome a essa doutrina, segundo ele falou, de doutrina
de Segurança Nacional, que contaminou todo o sistema educacional da
América Latina, doutrina essa patrocinada pelos Estados Unidos.
Outros
autores falam que o que era inimigo lá atrás [na ditadura] apenas mudou
com o processo de redemocratização do país. O subversivo, terrorista,
militante de esquerda, que era o inimigo na nação e devia ser combatido e
até mesmo eliminado. Com a dita redemocratização do país, o inimigo
passou, não é mais o subversivo, passou a ser determinadas pessoas de
determinadas classes sociais que habitavam determinadas regiões do país
ou determinadas regiões das grandes metrópoles. Houve essa transferência
do inimigo interno.
'Bandido bom é bandido morto'
Nós temos presente hoje o
discurso que 'bandido bom é bandido morto'. Isso é um eco da doutrina de
Segurança Nacional. Em uma democracia não se tem de conceber o discurso
do inimigo interno, está errado. Então todo mundo é bonzinho em uma
democracia? O mundo não é cheio de pessoas boazinhas, não vamos ser
ingênuos. Nossa sociedade é violenta, mas não é traçando o discurso de
que existem inimigos a serem combatidos que nós vamos resolver a
violência porque nós estaremos gerando mais violência.
"O sistema de segurança pública existente na Constituição de 1988 é o mesmo sistema de segurança pública existente no período militar. Não houve mudanças significativas."
Adilson Paes de Souza, tenente-coronel reformado da PM-SP
Sistema de segurança pública
O sistema de segurança pública existente na Constituição
de 1988 é o mesmo sistema de segurança pública existente no período
militar. Não houve mudanças significativas. As mudanças que houveram foi
ampliar o rol de polícias. Se eu tinha polícia civil, polícia militar,
polícia federal, no período militar, com a Constituição
de 1988, que é tida como o marco da redemocratização do país, eu tenho
mais duas polícias: a rodoviária e ferroviária federal e as guardas
municipais. Essa foi a mudança significativa. Então, o sistema de
segurança pública que existe até hoje é o sistema concebido na ditadura.
Isso tem de mudar.
Manifestações
Lá nas manifestações de junho de 2013 e
depois, se você visse um filme das repressões nas ruas, a atuação do
efetivo policial na rua, chamado de controle de distúrbio civil, se você
fizer um recorte da atuação da polícia lá [na época da ditadura] e
atuação aqui você não vê diferença nenhuma, você vê pouca diferença,
talvez diferença de equipamento, a violência de determinados efetivos é a
mesma. A falta de identificação dos agentes é a mesma, a falta de
informação sobre quem agiu e praticou o abuso é a mesma, então não há
uma mudança. Você tira a cor da foto você vai achar que está lendo uma
matéria de 68, 69, 70.
A repressão dos manifestantes é
dentro de uma ótica: estou combatendo os inimigos e não o direito à
manifestação é sagrado, é essencial à democracia. Estou lá para
assegurar o direito à manifestação seja exercido na sua plenitude e com
responsabilidade. Existem grupos violentos? Identifique e puna nos
rigores da lei para que as outras pessoas que estão na manifestação se
sintam protegidas para exercer seu direito constitucional. Democracia
sem manifestação ou manifestação só de apoio não é democracia, é
democracia formal.
Aspectos do AI-5 hoje
Na Constituição de 1988, a Polícia Militar é definida como "militares dos Estados". A Constituição
atribui status de militar estadual à PM e enquadra ela no rol de forças
auxiliares e reserva do Exército. É a mesma denominação dada por um
decreto que reorganizou as polícias militares e o Corpo de Bombeiros
militares da época da ditadura, um decreto de 1969. O decreto que usou a
expressão "forças auxiliares e reserva do Exército" é o 667 de 2 julho
de 1969. Qual é o papel desse decreto? Organiza as policias militares e
os corpos de bombeiros militares. E esse decreto 667 tem como fonte o AI-5. E está vigente até hoje.
"O AI-5 é definido como o mais duro golpe na democracia. Nós temos aspectos dele vivos até hoje."
Adilson Paes de Souza, tenente-coronel reformado da PM-SP
Com
a redemocratização do país, esse decreto permaneceu intacto, passou
intacto pelo processo de redemocratização do país pela nova Constituição. O AI-5
é definido como o mais duro golpe na democracia. Nós temos aspectos
dele vivos até hoje. Isso é mais uma prova de que não houve uma mudança
significativa no sistema de Segurança Pública.
Auto de Resistência
A
expressão "auto de resistência" foi criada em 1969 e está vigendo até
hoje em vários Estados. Ela foi criada no dia 2 outubro de 1969 pela
ordem de serviço 803 da então Superintendência de Polícia do Estado da
Guanabara e essa ordem de serviço está valendo até hoje porque o "auto
de resistência" é usado oficialmente. Foi criado em 1969 sob os
auspícios e influência do AI-5, de 1968.
Como
esse mecanismo sobrevive ao processo de redemocratização do país?
Porque a doutrina de Segurança Nacional persiste. As consequências
disso? O discurso do inimigo que deve ser combatido; o discurso de que
toda ação policial ou do agente do Estado que envolve morte, a versão
oficial é a única a verdadeira; o discurso de que a vítima do homicídio
praticado pelo agente público é culpada pela sua própria morte.
Especialistas indicam que existe desde o primeiro registro desses
autos de resistência a preocupação em desqualificar da vítima e de
responsabilizá-la pela sua própria morte. Comprar a ideia que toda
versão policial é correta beira a falta de transparência e a prestação
de conta. Não estou falando que toda intervenção policial é errada, mas
existem intervenções policiais que na verdade não condizem com a versão
dada pelos policiais.
Existe uma investigação, é
instaurada uma portaria de inquérito, é realizado o inquérito. Existe
investigação, mas ela é falha, há ausência de testemunhas civis, onde
predomina só a versão dos policiais militares, local de crime
prejudicado, perícia não realizada ou realizada de maneira inconclusiva
que vai levar invariavelmente à absolvição por falta de provas ou até
mesmo arquivamento e nem vai a julgamento.
"Desmilitarização não é só mudança de nome. É muito mais complexo. Desmilitarizar é criar uma nova polícia."
Adilson Paes de Souza, tenente-coronel reformado da PM-SP
Desmilitarização
Essa PEC 51,
do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), me parece muito interessante e eu
considero a mais adequada. Contudo ela por si só não vai produzir
efeito. Você vai criar expectativa, mas não vai produzir efeito porque
você precisa desmontar todos os mecanismos existem lá trás.
O
que precisa fazer: uma busca, uma pesquisa pormenorizada em todos os
campos, segurança pública, no ensino, que reflete na segurança pública.
No bojo dessa PEC, fazer a revisão de todos os dispositivos gestados,
criados na ditadura e vigentes até hoje porque senão eu crio uma
estrutura, mas os dispositivos que informam seu funcionamento estão lá
atrás e estão vigendo, que é o caso do "auto de resistência", esses
decretos de 69, 70 que estão vigentes até hoje com base no AI-5.
Desmilitarização
não é subordinar a polícia militar à polícia civil porque isso acirra
os ânimos entre as corporações e prejudica o serviço e a população.
Desmilitarização também não é só mudança de nome. É muito mais complexo.
Eu me filio à corrente que desmilitarizar é criar uma nova polícia,
compatível com os valores democráticos, dentro do estipulado pelo estado
democrático de direito, uma organização que seus membros sejam
efetivamente valorizados e que sejam majoritariamente reconhecidos pela
população.
Fonte:http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/04/09/bandido-bomebandido-morto-nova-po...
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